segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Infinito

Sonhei que sonhava
E que no sonho sonhava
Que estava sonhando
que sonhava

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

O Velho - Pt.3 : Sonho

Viveu como velho durante dias. Olhando dia após dia os próprios olhos opacos no espelho. Não havia o que fazer.
Era o que lhe restava. Esperar que passasse. Rezar para que o relógio voltasse a funcionar da maneira como deveria e devolvesse todos os anos que tinha vivido em uma única noite. Porém nunca fora de acreditar em magia e encantamentos; suas crenças também passavam longe dos milagres. Então o que concluiu foi que na verdade sofria de algum tipo de distúrbio mental. Era isso e estava decidido. O que lhe ocorreu não foi acordar velho, mas sonhar com a juventude e acordar com todas as rugas que já eram suas antes de dormir. Um sonho.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Fico.

Não vou pelas paredes plásticas, pelas mesas vazias e pelo computador que não funciona. Não vou pela janela da porta, pelo desequilíbrio entre as prateleiras, pelo chão mar impressionista e pelo barulho de passos e conversas no corredor.
Não vou pelo teto de isopor.Pelas cadeiras azuis, por todos os rabiscos que eu faria na folha vazia.
Pode ser...
Mas não vou mesmo é pelo silêncio e por todos os pensamentos que ele abriga. Eu poderia ouvir música, mas mesmo assim o silêncio estaria lá, na inércia de tudo ao redor.Estaria nas paredes, nas mesas, nas prateleiras, nas cadeiras no chão e no teto.
Nos rabisco não. Os rabiscos seriam um grito.
Mas é que hoje acordei rouca.


“...Diga ao povo que fico.”

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Eu gasto

-Oi, posso ajudar?
-Ah, eu só tava dando uma olhada nuns modelos de Eu´s.
-Se quiser provar, fica à vontade. Pode ficar com ele até uma semana, aí se num der certo a Sra. pode trocar...É só manter o traço de personalidade na peça.
-Esses aqui tem prazo de validade?
-Olha...Depende muito da pessoa...
-Hum...
-Aqueles ali, naquela prateleira, tão saindo bastante...E estão na promoção...
-Ah, não gosto...Obrigada...Eu vou dar mais uma olhada e qualquer coisa eu volto aqui...
-Não vai querer levar agora? Aproveita...
-Não, não, obrigada.

Thanks mother

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Funerale (the poet must die)

Passei o dia com os olhos de Virginia Woolf colados em cima dos meus, naquela hora em que decide que o poeta deve morrer para que a história não se perca. Não me entenda mal, não estou com pensamentos suicidas. A solução não é morrer, é deixar que isso morra. E se não me engano já morreu, e o que morreu deve ser cremado ou colocado embaixo da terra. Não vale a pena empenhar esforços para conservar um cadáver.
E como num velório sinto vontade de chorar ao ver que os olhos deitados não se abrirão, e que tudo o que não foi dito ficou perdido para sempre, naqueles lábios que o tempo lacrou.

“But I still have to face the hours, don't I? I mean, the hours after the party, and the hours after that...”

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Verde ( fungo prematuro)

É verdade que mesmo na escrita tenho preferido o silêncio. É isso, fiz do silêncio um armário onde guardo tudo que ainda não está maduro a ponto de ser dito.E talvez nunca amadureça.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

999

Ontem

Eu tinha certeza do acaso, não absoluta, mas a idéia de destino era absurda. Deveria ter ido à farmácia.

Hoje

Saí mais cedo, fiz um caminho diferente, fui teimosa o bastante para esperar o ônibus ao invés de correr para o metrô. Depois peguei outro ônibus, que eu mal sabia se era o certo. Fui à farmácia.
- Você é a Mariana?
Olho, mas não reconheço.
-Sim.
-Que era amiga da fulana?
Balanço a cabeça, já me lembrando quem era a senhora que falava comigo. E tudo que eu consigo dizer é :
-É...
-Ainda mora lá?
-Moro.
-O que você ta fazendo? Ta estudando?
Talvez ela não tenha perguntado isso. Tenho a mania de permanecer com o fone de ouvido esquerdo ou direito. Acho que esqueço que eu ouviria melhor sem eles. Mas isso foi o que eu entendi.
-Tô...Tô fazendo faculdade...
Eu não fui simpática, acho que mal sorri. Talvez por isso na hora que fui pegar o troco ela se virou e foi embora sem soltar um “tchau”.
Voltei pra casa pensando na minha mania de achar que todas as pessoas se esquecem de mim depois de algum tempo. E pensando que quando ela chegasse em casa talvez dissesse pra fulana que me viu, e perguntasse porque não nos falamos nunca mais.
Voltei pra casa duvidando do acaso.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Vestes de Seda

Torço pra que os ponteiros dos relógios não tenham preguiça. É quando não se vê o tempo passar que se tem todo o tempo do mundo.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

NÚM3R05

Olhei a tatuagem do atendente da locadora e me lembrei da época em que colecionava códigos de barra. Pra mim eram uma representação da condição humana,pela questão óbvia : não existem dois códigos de barra iguais.Podem estar em lugares diferentes, e estão,terem cores diferentes, uma combinação de barras e números diferentes.Mas no fundo, são só uma seqüência de barras finas e grossas em cima de alguns números.Uns muito parecidos, mas nunca iguais.
Na época até procurei alguma lógica mirabolante que me diria o segredo da vida na Terra ,mas a única coisa que notei é que sempre começavam com 7, 7 8.
Não é nenhuma conspiração, muito menos uma profecia, está lá no site da Wikipédia :

- Os primeiros três dígitos representam o prefixo da organização responsável por controlar e licenciar a numeração no país.
-Os próximos seis dígitos , que podem variar de 4 a 7 , representam a identificação da indústria dona da marca do produto;
-Os próximos três dígitos representam a identificação do produto determinado pela indústria;
- O último dígito é chamado de dígito verificador, auxilia na segurança da leitura.

Eu me pergunto se o cara da locadora tem uma grande teoria a respeito dos códigos de barras, e se aqueles números são de algum produto(por acaso ou não). Seria engraçado se ele passasse o braço num desses leitores de supermercado e descobrisse que deu a si mesmo o preço de R$1,99.

domingo, 5 de julho de 2009

Cem anos

Adoro meu livro de crônicas. Talvez porque ele se adapte muito bem à minha mania de ler frases ao acaso; ao invés de frases leio crônicas, a que vier na página em que parar o dedo.
E entre jamantas douradas do Caio Fernando de Abreu e seu amigo dark e o amor de Ferreira Gullar me veio um pensamento que não se relaciona diretamente com nenhuma das duas crônicas: Todas as coisas duram mais do que nós.
Olhe em volta: a mesa, os tapetes, a televisão, os discos cheios de músicas eternas. Todos eles durarão mais do que nós. Quando não estivermos mais aqui, eles estarão.
Daqui a cem anos meu livro terá outra dona. Talvez, depois que eu morrer, alguém o tome para si, ou quem sabe o guarde numa caixa junto com todos os outros e doe para alguém ou para alguma biblioteca.
Os móveis podem ir para um antiquário. Daqui a cem anos serão “móveis de época”. Os CDs e a televisão vão para um museu de tecnologia, e um visitante dirá: “Como conseguiam ouvir música com isso?”
Eu disse biblioteca... Será que ainda se importarão com livros daqui a cem anos?

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Avulsa # 3

O céu é tão branco quanto essa imitação de página, mas ao contrário dela não espera nada.É calma, é constância.Luta equilibrada entre a possibilidade e a impossibilidade.Todas as cores, e nenhuma.
Antimatter.

terça-feira, 30 de junho de 2009

"Sim, te dana, mundo velho" *

Vestiu o que não era a sua melhor roupa mas sim a que mais gostava. Olhou-se no espelho e não tentou ajeitar os cabelos, achava que os fios despenteados lhe davam certo charme.Como se tomasse consciência de si mesma sorriu olhando nos próprios olhos.
O sorriso se desfez, mas permaneceu nos olhos.

Chegou discretamente, subiu as escadas e posicionou-se diante do microfone.Todos tinham ouvidos abertos e desconfiados, mas não precisou respirar fundo para começar a dizer aquilo que sempre quis.

“Respeitável público, senhoras e senhores membros do júri, é com satisfação que digo: Danem-se. Danem-se todos os seus olhares e exclamações de reprovação.Dane-se o que pensam, vão pensar ou o que dirão. Não lhes dou mais nenhum poder.Não vou mais guiar-me pelo meu reflexo em suas águas. Danem-se. Escolhi viver.”


Talvez o último desejo - Rachel de Queiroz

quinta-feira, 25 de junho de 2009

O Velho - Pt.2 : O Rosto

Demorou dez minutos para que tomasse coragem de tocar o próprio rosto e descobrir que sua teoria de mãos independentes não era válida. Sentiu as rugas nas pontas dos dedos. Descobriu-se velho. Quando fez menção de levantar-se da cama sentiu um cansaço injustificado. As costas lhe doíam. Sentou e olhou os próprios pés. As unhas estavam mais amarelas do que as das mãos.
Caminhou em direção ao outro lado do quarto, onde havia um espelho. Parou de frente para a parede.Mais um passo para o lado e seria apresentado à sua nova figura.Fechou os olhos tentando lembra-se do aspecto que tinha quando se olhou naquele espelho pela última vez.
Cabelos loiros e curtos, pele e olhos claros. Não era bonito , mas também não se incluía entre os mais feios.
Tomou coragem e deu um passo para o lado, ainda de olhos fechados.Contou até três e abriu os olhos.
O que viu foi um velho de cabelos brancos e olhos desbotados.

Oi

É preciso morder a língua e fechar os olhos. Ver e não ouvir e ver e não dizer sempre foi difícil, mas agora é mais. É difícil evitar dizer qualquer coisa, porque o silêncio me é incômodo. Talvez porque seja um silêncio reticente ao invés de absoluto.
Quando os olhos não querem se fechar me sinto a criança curiosa que espia por entre os dedos. Há desonestidade nos atos de uma criança? A curiosidade me denuncia, põe abaixo o meu “eu não me importo”.
Eu queria não me importar. É a ordem que me foi dada pela razão.Se eu fingir que não escuto ela não se importa...Sabe que tem voz baixa.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

O Velho - Pt.1 : As Mãos

Começou pelas mãos: percebeu-as enrugadas e com manchas. As unhas haviam ganhado um tom amarelado. E olhava a mão ainda deitado, estranhando-se.Não reconhecia aquela mão como sendo sua, ainda que tivesse o poder de abrir e fechar seus dedos e ainda que fosse ela a lhe proporcionar a sensação de maciez quando alisava as cobertas.
Como então era isso de ir dormir com mãos jovens e acordar com mãos velhas? Pensou...E a reposta mais satisfatória que encontrou foi que não estava acordado. Não podia estar! Então era isso...Um sonho. Um sonho como tantos outros, como na noite em que sonhou encontrar-se com o avô, que já estava morto havia dez anos.
Quando estava quase sorrindo percebeu: Nunca havia antes tido consciência do próprio sonho. Havia dias em que acordava sentindo-se cansado de fugir, e só acordado é que pensava que mal sabia de quê estava fugindo. Enquanto fugia de sabe-se lá o quê nunca tinha parado pra se perguntar o porquê de toda correria nem cogitado a possibilidade de estar dentro de um sonho.
Então suas mãos estavam de fato velhas?
Por impulso quis tocar o rosto, mas não teve coragem. Temia que estivesse tão enrugado quanto as mãos. Queria ainda acreditar na possibilidade de mãos que envelhecem sem que o resto do corpo precise envelhecer.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Avulsa # 2

Não se pode competir com a realidade. Tenho repetido isso como um disco riscado. Talvez daqui a algum tempo não entendam o que essa expressão significa...

sábado, 20 de junho de 2009

Conto

Vale a pena ler...

O RETRATO OVAL
(Edgar Allan Poe)

O castelo em que meu criado se aventurara a forçar entrada, em lugar de deixar-me passar uma noite ao relento, gravemente ferido como eu estava, era um daqueles edifícios mesclados de soturnidade e grandeza que por muito tempo carranquearam entre os Apeninos, tanto na realidade quanto na imaginação da Sra. Radcliffe. Ao que tudo indicava, fora abandonado havia pouco e temporariamente. Acomodamo-nos num dos quartos menores e menos suntuosamente mobiliados, que ficava num remoto torreão do edifício. Sua decoração era rica, porém esfarrapada e antiga. As paredes estavam forradas com tapeçarias e ornadas com diversos e multiformes troféus heráldicos, juntamente com um número inusual de espirituosas pinturas modernas em molduras de ricos arabescos dourados. Por essas pinturas, que pendiam das paredes não só de suas principais superfícies, mas de muitos recessos que a arquitetura bizarra do castelo fez necessários, por essas pinturas meu delírio incipiente, talvez, fizera-me tomar interesse profundo; de modo que ordenei a Pedro fechar os pesados postigos do quarto – visto que já era noite –, acender um alto candelabro que se encontrava à cabeceira de minha cama e abrir amplamente as cortinas franjadas de veludo negro que a envolviam. Desejei que tudo isso fosse feito para que pudesse abandonar-me, ao menos alternativamente, se não adormecesse, à contemplação das pinturas e à leitura atenta de um pequeno volume encontrado sobre o travesseiro que se propunha a criticá-las e descrevê-las.

Por longo, longo tempo li, e com devoção e dedicação contemplei-as. Rápidas e gloriosas, as horas voavam e a meia-noite profunda veio. A posição do candelabro desagradava-me, e estendendo a mão com dificuldade, em vez de perturbar meu criado adormecido, ajeitei-o a fim de lançar seus raios de luz mais em cheio sobre o livro.

Mas a ação produziu um efeito completamente imprevisto. Os raios das numerosas velas (pois eram muitas) agora caíam num nicho do quarto que até o momento estivera mergulhado em profunda sombra por uma das colunas da cama. Assim, vi sob a luz vívida um quadro não notado antes. Era o retrato de uma jovem, quase mulher feita. Olhei a pintura apressadamente e fechei os olhos. Não foi a princípio claro para minha própria percepção por que fiz isso. Todavia, enquanto minhas pálpebras permaneciam dessa forma fechadas, revi na mente a reação de fechá-las. Foi um movimento impulsivo para ganhar tempo para pensar – para certificar-me de que minha vista não me enganara –, para acalmar e dominar minha fantasia para uma observação mais calma e segura. Em poucos momentos, novamente olhei fixamente a pintura.

O que agora via, certamente não podia e não queria duvidar, pois o primeiro clarão das velas sobre a tela dissipara o estupor de sonho que me roubava os sentidos, despertando-me imediatamente à realidade.

O retrato, já o disse, era o de uma jovem. Uma mera cabeça e ombros, feitos à maneira denominada tecnicamente de vinheta, muito ao estilo das cabeças favoritas de Sully. Os braços, o busto e as pontas dos radiantes cabelos dissolviam-se imperceptivelmente na vaga mas profunda sombra que formava o fundo do conjunto. A moldura era oval, ricamente dourada e filigranada à mourisca. Como objeto artístico, nada poderia ser mais admirável do que aquela pintura em si. Mas não seria a elaboração da obra nem a beleza imortal daquela face o que tão repentinamente e com veemência comovera-me. Tampouco teria minha fantasia, sacudida de seu meio-sono, tomado a cabeça pela de uma pessoa viva. Vi logo que as peculiaridades do desenho, do vinhetado e da moldura devem ter dissipado instantaneamente tal idéia – e até mesmo evitado sua cogitação momentânea. Pensando seriamente acerca desses pontos, permaneci, talvez uma hora, meio sentado, meio reclinado, com minha vista pregada ao retrato. Enfim, satisfeito com o verdadeiro segredo de seu efeito, caí de costas na cama. Descobrira o feitiço do quadro numa absoluta naturalidade de expressão, a qual primeiro espantou-me e por fim confundiu-me, dominou-me e aterrorizou-me. Com profundo e reverente temor, recoloquei o candelabro em sua posição anterior. Sendo a causa de minha profunda agitação colocada assim fora de vista, busquei avidamente o volume que tratava das pinturas e suas histórias. Dirigindo-me ao número que designava o retrato oval, li as vagas e singulares palavras que se seguem:

“Era uma donzela de raríssima beleza, não mais encantadora do que cheia de alegria. Má foi a hora em que viu, amou e desposou o pintor. Ele, apaixonado, estudioso, austero, e tendo já na sua Arte uma esposa; ela, uma donzela de raríssima beleza, não mais encantadora do que cheia de alegria; toda luz e sorrisos, e travessa como uma corça nova; amando e acarinhando todas as coisas; odiando apenas a Arte, sua rival; temendo só a paleta, os pincéis e outros desfavoráveis instrumentos que a privavam do rosto de seu amado. Era, portanto, uma coisa terrível para essa dama ouvir o pintor falar de seu desejo de retratar justo sua jovem esposa. No entanto, ela era humilde e obediente, e posou submissa por muitas semanas na escura e alta câmara do torreão, onde a luz caía somente do teto sobre a pálida tela. Mas ele, o pintor, glorificava-se com sua obra, que continuava de hora a hora, dia a dia. E era um homem apaixonado, impetuoso e taciturno, que se perdia em devaneios; de maneira que não queria ver que a luz espectral que caía naquele torreão isolado debilitava a saúde e a vivacidade de sua esposa, que definhava visivelmente para todos, exceto para ele. Contudo, ela continuava a sorrir imóvel, docilmente, porque viu que o pintor (que tinha grande renome) adquiriu um fervoroso e ardente prazer em sua tarefa, e trabalhava dia e noite para pintar a que tanto o amava, aquela que a cada dia ficava mais desalentada e fraca. E, em verdade, alguns que viam o retrato falavam, em voz baixa, de sua semelhança como de uma poderosa maravilha, e uma prova não só da força do pintor como de seu profundo amor pela qual ele pintava tão insuperavelmente bem. Finalmente, como o trabalho aproximava-se de sua conclusão, ninguém mais foi admitido no torreão, pois o pintor enlouquecera com o ardor de sua obra, raramente desviando os olhos da tela, mesmo para olhar o rosto de sua esposa. Não queria ver que as tintas que espalhava na tela eram tiradas das faces da que posava junto a ele. E quando muitas semanas nocivas passaram e pouco restava a fazer, salvo uma pincelada na boca e um tom nos olhos, o espírito da dama novamente bruxuleou como a chama de uma lanterna. Então, a pincelada foi dada e o tom aplicado, e, por um momento, o pintor deteve-se extasiado diante da obra em que trabalhara. Porém, em seguida, enquanto ainda contemplava-a, ficou trêmulo, muito pálido e espantado, exclamando em voz alta: ‘Isto é de fato a própria Vida!’ Voltou-se repentinamente para olhar sua amada: estava morta!”
(Traduzido por Marcelo Bueno de Paula)

fonte:www.arquivors.com/eapoe1.htm

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Avulsa # 1

Disse o silêncio porque era só o que havia pra ser dito. Escolheu mais uma vez a estrada cinza, refúgio dos covardes.

domingo, 10 de maio de 2009

Talvez

Talvez o remédio para os pensamentos teimosos de fato seja ocupar-se. Encher a cabeça de outros pensamentos para que os indesejáveis não tenham mais espaço...Mas se engana quem acha que eles simplesmente desaparecem. Eles não desaparecem. Eu sei. Você sabe. No instante em que paramos para uns goles de água, no instante em que nos distraímos e encaramos o as linhas do chão com os olhos perdidos , eles voltam. Não, não voltam porque sempre estiveram lá. São como arquivos...Apenas foram compactados para ocupar menos espaço.

O esquecimento não pode ser policiado. Isso só faz com que as lembranças fiquem mais nítidas. No momento em que me pergunto se me já me esqueci é que me lembro.Mas é quando tento me lembrar que percebo que esqueci...



“Mesmo dormindo não podia fugir-lhe a imagem. Não tocou o diário. Se alívio havia, estava no trabalho, no qual às vezes podia se esquecer do mundo por períodos de até dez minutos”

1984 – George Orwell

domingo, 26 de abril de 2009

Sunday comes and sunday goes...

Não importa o quão ensolarado sejam os domingos. Eles sempre terão esse ar melancólico e nostálgico.Talvez pelas ruas vazias, talvez pelo almoço em família.Talvez pela história que costuma se repetir, sempre aos domingos.
Um dia tão cheio de coisa nenhuma...
Dia de leite com bolachas, pijama e cabelo solto. O domingo tem o som dos chinelos da minha mãe batendo no piso depois de ela ter descido da cadeira em que subiu para poder alcançar o pote de arroz.

...

Ás vezes me assusta a maneira como me tornei indiferente. Ainda tremo, mas já mantenho certa distância, talvez tudo isso tenha se tornado um espetáculo. Ouço com atenção pra interferir apenas quando me for solicitado.

Apesar da recomendação do ditado, eu meto a minha colher. É necessário. Não seria exagero dizer que muitas vezes foi questão de sobrevivência, mas acontece que a colher, apesar de ter-se tornado mais resistente já se cansou de sua função...
Os gritos de hoje não passam de ecos dos gritos de ontem. Já os sei, de cor.

Falam tanto de culpa, que já não sei mais quem é o culpado, ou se existe um culpado. Ás vezes sinto pena, apesar de ter consciência de que a pena é um dos piores sentimentos que existem...Mas quando vi aquelas fotos antigas senti pena, tristeza...Aqueles rostos que sorriam não imaginavam o quanto mudariam, o quanto sofreriam e quantas lágrimas provocariam. E não só nos próprios olhos.

Talvez a minha indiferença, que às vezes beira a insensibilidade, seja só uma válvula de escape. Foi aprendida.

Penso que as feridas que mais resistem à cicatrização são aquelas causadas pelas palavras.

terça-feira, 21 de abril de 2009

Diário de bordo

Parte I

Dá medo ficar lembrando demais. Medo que a memória altere alguma coisa e no fim já não se saiba o que foi real, e o que se tornou real apenas pela imaginação.Memória inventada.

Mas cheguei a ver quatro borboletas azuis, e disso tenho certeza. Nunca tinha visto borboletas como aquelas: eram grandes (porque se as vi de longe, tinham que ser grandes), e o azul era intenso, talvez o azul com mais intensidade de toda natureza. Foi a segunda coisa incomum do mês: primeiro foi a estrela cadente. Quando a vi imitei os personagens da ficção e fiz um pedido.Um pedido estúpido.


Parte II

Procurávamos pela casa naquelas ruas sem nome e ela nos surpreendeu de moto. A fachada havia mudado, nunca encontraríamos...

Gosto de estar em lugares diferentes, de andar sem saber o que há na próxima rua.


Parte III


Chovia e o mar estava agitado. Ao olhar para ele nem parecia que não nos víamos há tanto tempo, como quando a gente vê um amigo que já não via há algum tempo. Apesar de todas as diferenças em relação ao passado, existe a sensação de que nada mudou. Não sei por quanto tempo fiquei ali, olhando, navegando em terra firme, mas não foi por muito tempo.

Imagino que deva ser como olhar para o planeta Terra estando fora dele,sentir-se menor, mas de uma maneira positiva. O que é tudo diante de tanta água?


Parte IV


Se eu fizesse uma lista das coisas que eu mais gosto, “estar na estrada”, certamente faria parte dela. Prefiro os trajetos aos destinos. E pensei isso, no próprio trajeto. E pensei na vida como um trajeto...Eu deveria gostar mais da vida. E me lembrei das pessoas que não se importam em saber o final dos filmes antes de vê-los. Para elas o que importa é o processo.

A estrada à noite é um espetáculo, melhor que os fogos de artifício no início do ano. Luzes. Só luzes.

Só ontem reparei que para os que vão as luzes são vermelhas, e para os que vêm , são amarelas.

Luzes.

Aquelas pessoas que estavam comigo...Sem elas eu não existiria. E pensei em como seria existir sem elas...Por que apesar de todos os imprevistos, a ordem natural é que os mais velhos morram primeiro.

Todas aquelas luzes...Montanhas de luzes...



- Olá angústia!



Tive vontade chorar, mas não queria dar explicações, então guardei o mar nos olhos e torci para que a lei da gravidade contribuísse.Ainda bem que era noite.

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Terça- Feira

Pelo vidro da porta não passa uma alma viva. Nem morta. Os únicos sons são o do papel riscando a folha e o do ar condicionado. Ao menos isso, ao menos não morro sufocada pelo calor que faria não fosse o trabalho incessante do ar condicionado. Ele trabalha mais do que eu.
Duas mesas, um computador (que só funcionaria se eu soubesse a senha) e seis cadeiras. Ás minhas costas livros e mais livros, de assuntos que poderiam me interessar se não fosse o tédio.
Na segunda gaveta vários clipes de papel em uma caixa aguardam o momento de serem úteis. O momento mágico em que um clipe unirá uma folha à outra. Junto a eles repousa um saco plástico cheio de elásticos, que por não terem sido úteis durante muito tempo derreteram-se e solidificaram-se em uma massa amorfa de borracha quebradiça.
Perto do teto, os jornais antigos e amarelados. Separei-os por mês, ano, e os coloquei em caixas. Pudesse eu organizar minha própria vida como organizei esses jornais...
O chão é de um azul –esverdeado. É o mar de um quadro impressionista. O teto me lembra sorvete de flocos : grandes placas brancas salpicadas de pingos pretos.
Joguei um alfinete no chão e comprovei a potência do silêncio.
O lugar e a situação são próprios à alucinações. Ainda não as tive. Ainda não conversei com seres imaginários sentados nas cadeiras vazias à minha frente... Talvez isso seja um exagero, o mais perto que cheguei disso foi ver um vulto no vidro da porta.

Entendo porque O Náufrago criou Wilson...

domingo, 5 de abril de 2009

Os Pássaros

Céu limpo, não há mais pássaros. Às vezes os vejo, mas não acho que sejam algo além de frutos de uma mente imaginativa. As nuvens ainda aparecem para lembrar-me de que sempre é tempo de chover.
Não me diga que há pássaros, não imite o som de suas asas, eu sei que não há. Eles já se foram, demorei a perceber, mas hoje já vejo claramente o céu vazio.
Eles não eram do tipo que voa em bandos. A cada dia ia um, e não voltava. Por isso custei a perceber.
Sinto falta como quem sente falta de um costume abandonado.
Olho para o céu e expiro em alívio: Não há grades que impeçam a chegada de novos pássaros.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

A Curiosidade

O que aconteceu? Uma batida? Alguém morreu? Será que dá pra ver o corpo?

Às vezes me espanto com a curiosidade humana. Acidentes parecem ser os imãs mais potentes, no trânsito então, nem se fale! Batidas de carro sempre atraem os curiosos, ainda mais se houver vítimas.
Os olhos vão invadindo, e ficam. Logo são uma platéia. Querem ver se a vítima está morta, se quebrou algum osso, querem ver a cara retorcida de dor, ou a expressão serena de um morto. O que mais podem querem esses olhos?
Num dia , que agora eu não consigo me lembrar o nome (podia ser Segunda, Terça ou Quarta) nos deparamos com um acidente ( eu digo “nos” porque eu estava no ônibus). Tudo parado, barulho de ambulâncias. Um caminhão bateu em um carro. Mais do que ver o carro capotado, o que me espantou mesmo foram os pescoços esticados,os olhos curiosos, e os rostos na janela.
As pessoas não costumam olhar muito pela janela, se olham é sempre algo que não demora mais que alguns segundos. A não ser que na vista haja algum acidente.
Tem um ditado que diz que a curiosidade mata. Se mata eu não sei, mas que ela tem um gosto absurdo pela tragédia,isso tem.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

sábado, 21 de março de 2009

Eles sempre saberão o que dizer...

Eles vão dizer que essas coisas são assim mesmo, que isso passa. Eles vão dizer que o tempo cura tudo. Vão tentar te fazer sorrir. E você vai sorrir, porque empurrar as bochechas vai requerer menor esforço do que dar explicações sobre o inexplicável.
Vai continuar a perder algumas horas de sono, mas agora por outras razões. É inevitável. Quando acordar não vai se lembrar dos sonhos. Não vai sorrir sem motivo durante o dia.O tempo dos sorrisos sem motivo vai parecer estar há anos-luz.
Vai continuar a se lembrar, isso também será inevitável. Cada música será uma chave. Até aquelas que não deveriam ser chaves, serão chaves apenas pelo fato de não o serem.
Eles vão dizer que é besteira, que o que está feito está feito e que o que não tem remédio, remediado está. Vão dizer uma série de frases feitas e ditos populares.
Eles vão perguntar se está tudo bem, e o mais seguro será repetir as últimas duas palavras da pergunta e usá-las como resposta. Copy. Paste.
Não será mentira. Tudo estará bem. O mundo continuará funcionando como sempre funcionou. E esse consolo será maior do que qualquer conselho.

sexta-feira, 20 de março de 2009

Amnésia

Este não é o texto que eu ia escrever. Eu estava fazendo uma lista de grandes conquistas , coisas do tipo “ aprender a amarrar os cadarços” e “andar de bicicleta sem rodinhas”. Como próximo item a minha intenção era escrever “ aprender a escrever o próprio nome”, mas meus dedos revoltaram-se e sem que eu percebesse acabei escrevendo “ aprender a esquecer o próprio nome”.
Só notei tal erro depois de já ter escrito mais dois itens. Seria realmente um erro? Aprender a esquecer o próprio nome não seria, na verdade, uma das maiores conquistas? Não me refiro ao nome como apenas a maneira pela qual somos chamados ,mas como um tipo de gesso que não permite mudanças.Algo que acaba fazendo com que nos comportemos como as pessoas esperam.Consciente ou inconscientemente.
Quando eu tinha uns dez anos passou na TV uma novela em que uma determinada personagem sofria um acidente que fazia com que ela tivesse amnésia.Ela tinha esquecido de onde vinha, quantos anos tinha e de todas as pessoas que conhecia.Achei tão incrível que cogitei bater a cabeça algumas vezes...Era muito surreal pensar em alguém que não soubesse o próprio nome.
Eu me pergunto se alguém que esquece quem é, tem novas atitudes , ou acaba sendo exatamente a mesma pessoa.
O esquecer o “nome” é esquecer o que espera-se que sejamos, para nos tornarmos , a cada dia , o que de fato somos.

Recorro ao Rubem Alves que foi quem me pôs essas idéias na cabeça :

“A memória, por vezes, é uma maldição. Já relatei sobre meu querido amigo Amilcar Herrera que me confessou: “Eu desejaria, um dia, acordar havendo me esquecido do meu nome...” Não entendi. Esquecer o próprio nome deve ser uma experiência muito estranha. Aí ele explicou: “Quando eu me levanto e sei que meu nome é Amilcar Herrera, sei também tudo o que se espera de mim. O meu nome diz o que devo ser, o que devo pensar, o que devo falar. Meu nome é uma gaiola em que estou preso. Mas se, ao acordar, eu tiver me esquecido do meu nome, terei me esquecido também de tudo que se espera de mim. Se nada se espera de mim estou livre para ser aquilo que nunca fui. Começarei a viver minha vida a partir de mim mesmo e não a partir do nome que me deram e pelo qual sou conhecido.” Entendi na hora e fiz ligação com algo que Alberto Caeiro escreveu: “Procuro despir-me do que aprendi, procuro esquecer-me do modo de lembrar que me ensinaram, e raspar a tinta com que me pintaram os sentidos, desencaixotar minhas emoções verdadeiras, desembrulhar-me e ser eu, não Alberto Caeiro, mas um animal humano que a natureza produziu.” Roland Barthes na sua famosa “Aula” também disse estar se entregando à desaprendizagem do aprendido para livrar-se das sucessivas sedimentações dos saberes que, com a passagem do tempo, vão se depositando em nossos corpos."
Para continuar lendo, clique aqui

Moral da história : Alguns erros geram posts...

segunda-feira, 16 de março de 2009

Nome

Eu não estava pensando. Eu ouvia música e ia olhando o desfile diário da paisagem na janela do ônibus. Eu repito : Eu não estava pensando.Aconteceu como toda casualidade acontece, foi algo inesperado que dependeu de muitos fatores invisíveis da maldita teia intangível...

Dependeu da existência de várias gerações, pra que o dono carro existisse, dependeu que ele continuasse existindo até comprar um carro, dependeu da sujeira que se acumulou no vidro, e de que um ser conhecesse outro ser que tivesse vontade de riscar o seu nome no vidro sujo. Dependeu da chuva. Do caminho. Da minha falta de vontade de ler.

Abracei cada migalha de acaso pra não pensar em destino.

quarta-feira, 4 de março de 2009

Desculpas #1

Acabo de desejar um sem-graça " feliz aniversário" pelo telefone, e é sempre assim, sem graça. Eu simplesmente não tenho talento para esse tipo de coisa. As palavras certas resolvem fugir e tudo o que me resta é " parabéns", "feliz aniversário", "muita saúde , paz etc".Cumprem a função de dizer que lembrei. De dizer que estou feliz pela existência da pessoa e que gosto dela.
Uma coisa eu sei: não sou a única. Tem mais gente por aí que também é obrigada a se ater às mesmas palavras todos os anos. Isto é um grande pedido de desculpas pela minha falta de criatividade. Ainda que o meu vocabulário seja pequeno, ele é sincero, realmente desejo o que digo que desejo.

sábado, 28 de fevereiro de 2009

Paciência

Aprendi a ser paciente. Paciência é só a habilidade de suportar não fazer coisa nenhuma.É sentar em um banco desconfortável, sentir as costas doerem, mas não sair dali, ainda que o banco à frente pareça melhor.

Paciência é uma forma de esperança.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Stark

Todos tem as suas manias, uma das minhas é conversar com o Stark.

Stark é um dicionário de inglês-português que está comigo desde que veio a ordem de comprá-lo numa das listas escolares do ensino fundamental. Ele tem a resposta para todas as perguntas, sempre sabe o que dizer em apenas uma palavra. Explico : Não me lembro exatamente quando, mas passei a procurar “respostas” em palavras, indo direto à fonte, ao depósito de palavras : o dicionário. Penso em qualquer coisa e abro-o. Sabendo interpretar, tem-se a resposta. É incrível como sempre acaba fazendo sentido. Não...Ao contrário do que se possa pensar eu não estou prestes a ser mandada para um hospício. Ainda não. No tédio, no tipo de tédio que não chega a ser absoluto, é divertido. [E quem já teve o (des)prazer de conhecê-lo, sabe que às vezes assusta...]

-Tempo?
-scenery

-Vida?
-quiz

-O que me faz expor minhas sandices desse jeito?
-tell


Vou fugir antes que cheguem as ambulâncias...

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

As The Years Go Passing By*

Descansar a cabeça num blues qualquer, desses lentos, e deixar-se ir...Como alguém que por não saber nadar, bóia, e quando acorda percebe que se afastou de tudo, e vê a areia, as pessoas e os guarda-sóis como se pertencessem a uma dimensão diferente...Por não saber nadar assusta-se, mas expira aliviada quando percebe que ali ainda “dá pé”.

Ás vezes é preciso deixar-se ir. Ás vezes é preciso confiar na imprevisibilidade das ondas.

Porque foi o acaso quem me trouxe esse blues...


*The Jeff Healey Band

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Cuidado com o vão entre o trem e a plataforma

O que eu vejo é uma geração inteira de coelhos, como aquele coelho do “Alice no País das Maravilhas” que corre com o relógio nas mãos e diz “È tarde! É tarde”. Eles estão sempre atrasados , nunca estão no lugar onde deveriam estar.Correm atrás do ônibus. Correm atrás do trem como se o próximo só fosse realmente passar na manhã do dia seguinte.
Correm. Sobem as escadas aos pulos, como coelhos....

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Clarice e Eu

“Mas tenho um milagre, sim. O milagre das folhas. Estou andando pela rua e do vento me cai uma folha exatamente nos cabelos. A incidência da linha de milhões de folhas transformadas em uma única, e de milhões de pessoas a incidência de reduzi-las a mim.”

O Milagre das Folhas – Clarice Lispector

Ninguém pode imaginar o quanto fiquei feliz a ao ler isso. A minha paranóia escrita de maneira tão simples!


É a teia...

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

O Desenhista

Quando entrei no trem o primeiro esboço já havia sido feito com um lápis azul claro. O homem do esboço encontrava-se no lado oposto com o seu chapéu e camisa camuflados e seus fones no ouvido. Após um tempo pareceu desconfiar que estava sendo observado. O desenhista, que também usava fones de ouvido, fazia um traço e levantava os olhos . Seu olhos estavam protegidos por grandes óculos escuros, talvez fosse um truque, pensei.
Do traço azul e leve chegou-se ao traço preto e firme com alguma caneta especial, que requeria certa força para se desprender da tampa.
O resultado final foi digno de aplausos, cumprimentos. Mas o desenhista não parou. Assim que terminou de registrar aquele homem comum a porta do trem se abriu e mais pessoas entraram, e ele as devorou com os olhos escolhendo a próxima vítima. Seria um jogo divertido... Ele começaria a desenhar e eu, pelo desenho, tentaria descobrir quem era o modelo da vez.
Não foi preciso muito esforço, até porque eu já tinha o meu palpite, que se confirmou. Ele escolheu a moça dos óculos e dos cabelos cacheados presos em um coque.
Foi então que percebi que eu não era a única a observá-lo. As pessoas próximas a ele olhavam para o desenho e depois para a moça e quase sorriam.
Ela não sabia que estava sendo registrada. Por um momento pensei que soubesse, quando ela fixou os olhos no desenhista que olhava para ela e voltava a riscar a folha.De novo os óculos escuros...Como ela poderia saber se ele estava olhando para ela ou para outra pessoa?
Na folha de papel ela estava bem mais sorridente. E foi aquele sorriso, o da folha de papel, que ela deu quando recebeu o seu retrato das mãos do desenhista. Na próxima parada ela desceu do trem sorrindo e agradecendo.
Quanto ao Sr. do chapéu camuflado, ele pegou a folha,agradeceu, mas não sorriu. Dobrou o seu rosto ao meio e desceu na mesma estação que o desenhista.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Nota de falecimento

Morreu.
Morreu e levou consigo todo o seu universo.
Todas as ótimas idéias que nunca tinha contado a ninguém ficaram presas em um cérebro que não funcionava mais e que em breve serviria de alimento.
Todas ali, asfixiadas pela inatividade.
Poupou o mundo de um novo mundo.
Pois ali, naquele cérebro tinha encontrado a salvação da humanidade.
Mas morreu...

Surdez

Idéias criativas sofrem de surdez aguda.Não adianta se esgoelar...Elas não vão ouvir quando forem chamadas, não virão até nós.Passarão tão rápido que não serão nada mais que um borrão. Um borrão branco em um fundo branco.Nada.

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Ela

Tinha aprendido a saber a velocidade do vento pelo bater das cortinas , e a se calar quando o que tinha a dizer não era mais proveitoso que o silêncio. Media as distâncias pelas músicas que ouvia durante o trajeto.Lia o mundo: Lia o humor em uma expressão facial, o risco de chuva nas nuvens, lia os gostos de alguém pelos sapatos que calçava. Estava sempre à espera de alguma coisa, o que quer que fosse...Estava sempre à espera, e no entanto, odiava esperar. Arriscava cantar quando estava só, brincava de ser alguém que canta bem. Escrevia quando precisava. Escrevia quando não precisava. Não era muito boa com números. Tinha uma imaginação fértil. Colecionava lembranças, tinha dificuldade em jogar coisas fora. Era distraída, sonhadora, idealista. Cabeça-dura.Era só uma pessoa como tantas outras.

sábado, 31 de janeiro de 2009

Pôr-do-sol

Uma vez, há uns dois ou três anos, me perguntaram se eu gostava mais do nascer ou do pôr do sol. Eu não soube responder. Finalmente encontrei a resposta: eu gosto mais é do pôr-do-sol. Talvez seja a minha hora preferida do dia*,quando todas aquelas cores aparecem , quando a noite vai chegando e estrelas e a lua tornam-se visíveis.
É uma hora em que gosto de estar em silêncio. A paz tem a cor do pôr-do-sol.

Vem a Noite e diz :
-Está tudo bem. Eu estou aqui.

*Preferidas mesmo seriam as horas da madrugada...Mas não as tenho mais.

________________

Nota

O Sol se põe
chega ao Lá
na quinta casa da primeira rua

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

As aspas

As aspas que cercam as letras tal como dois guardas são as que as põe em liberdade. Dá-me duas aspas e sou livre para escrever o que eu quiser. Livre, inclusive, para escrever palavras que não são minhas. Palavras que não existem. Palavras que só estão ali por falta de uma melhor pra por no lugar.
Tão úteis que ganharam um gesto para representá-las, na falta do papel e da tinta.
Aspas, aspas , aspas.

"Mas a verdade, a verdade verdadeira que eu falar não posso, aquilo que representa o real desejo do meu coração, seria abrir os braços para o mundo, olhar para ele bem de frente e lhe dizer na cara: Te dana!"

Rachel de Queiroz

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Se os pensamentos pesassem...

Provavelmente o meu pescoço já teria se quebrado diante do peso de minha cabeça. Algumas pessoas andariam sempre com a cabeça a mirar o chão...Mas não é isso o que acontece quando os pensamentos perturbam? O chão não parece muito mais interessante do que o horizonte? Na verdade...Não é questão de ser ou parecer muito mais interessante ou não...não existe a escolha. Olhamos para o chão. E pronto. Será que os pensamentos pesam?É o peso deles que nos volta os olhos para baixo?

Olhar para o céu nesses casos é uma tentativa desesperada de fazer com que o pescoço não se quebre? Pescoços se quebram se forçados para baixo?

Acho que me perdi...

Num livro que não achei tão bom eu li : “Como se achar sem nunca se perder?” ( ou algo do tipo rs) . O livro pode não ser bom, mas essa frase é...

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Trem

Acordo às seis e meia da manhã e entro no trem quando faltam quinze para às oito. Achei que fosse estar mais vazio...Foi um choque ver toda aquela gente, um choque que desfez a ilusão de ter um banco pra sentar e uma janela pra encostar a cabeça...quem sabe um livro, quando a paisagem ficasse uniformemente chata, mesmo achando que de uma maneira ou de outra sempre tem algo de interessante numa janela em movimento.

Na minha visão romântica do trem ele está sempre vazio, o estofado é xadrez e não existe aquela voz que intitula as paradas...Uma tolice! Como são todas as minhas visões românticas...

Algumas pessoas não têm noção do espaço que ocupam. O ser de blusa cinza não tinha.

O que eu não gosto no trem (e no metrô) é precisamente a disposição dos assentos.No trem ainda é menos pior porque se têm janelas com uma vista mais interessante do que uma parede de concreto (algumas linhas de metrô também tem, é verdade...), mas no metrô (nessas linhas não-privilegiadas) é extremamente chato. Não se têm para onde olhar.Olhar para frente é correr o risco de encarar alguém. Eu normalmente escolho a parede de concreto. Tenho consciência de que é uma disposição funcional...

Mas não são só infortúnios...Andar de trem tem o seu lado bom...Velocidade constante (baixa, mas constante),ausência de trânsito e segurança...

domingo, 25 de janeiro de 2009

Imaginação

Para mim o garfo sempre foi ela
E a faca sempre ele
Não me importa o que digam os artigos que os precedem

domingo, 18 de janeiro de 2009

Entre a estrela e a cruz

Fui ao cemitério. Há tempos eu queria ir lá, mas vinha adiando. Costumava ser um lugar onde eu encontrava uma certa paz;não deixou de ser...Só não é mais a mesma coisa. Eu me lembrei de quando voltava para casa por dentro do cemitério pra cortar caminho, de como era bom andar naquele lugar silencioso e cheio de árvores e não me preocupar com carros quando atravessava de uma guia à outra.
Hoje enquanto eu andava ia olhando para as placas, para os túmulos, para as fotografias e pensei em uma coisa que eu nunca tinha pensado antes: daqui a alguns anos vou ser um nome em uma placa. Uma placa sem fotografia...Já avisei que não quero foto.
Um nome em uma placa. O meu nome.
Serei só isso. Um nome entre tantos outros. Deixarei de ser quem sou para tornar-me um nome. Não, não só um nome...Um nome e duas datas. Uma estrela e uma cruz.
Pergunto-me se nesse caminho da estrela até a cruz já não é isso que tem acontecido.

sábado, 17 de janeiro de 2009

Divagações no escuro

Acabou a luz. Somos uma ilha de escuridão cercada de luzes por todos os lados. Dá uma certa inveja...Logo ali na outra rua as pessoas tem o privilégio de um banho quente, de ver as notícias na TV...
A nós resta apenas o telefone. A mim restam 34 % de bateria e um violão. Quando foi que ficamos tão dependentes de eletricidade? Um fio caí ali e ficamos sem saber o que fazer. Meus pais dormem : meu pai no quarto, e minha mãe na sala.
Os carros se amontoam na avenida, e buzinam porque acham que um som estridente tem poderes mágicos.Um grito puro.
Tenho um certo costume de ficar no escuro. Dispenso a luz enquanto ando pela casa. Já aprendi o lugar dos objetos, conto os passos inconscientemente... O escuro não me incomoda, nem o silêncio ( interrompido só pelas buzinas).
Branco é a cor da paz? Nesse momento o preto está mais ligado à paz do que qualquer outra cor. Mudemos o símbolo da paz!Troquemos pombas por urubus! O preto, diz a simbologia das cores, significa morte, quando alguém morre...descansa em paz...É só ligar os pontos...
Voltou a luz. O branco. Os barulhos da eletricidade...

Sobre a Felicidade...

“I remember one morning getting up at dawn, there was such a sense of possibility. You know, that feeling? And I remember thinking to myself: So, this is the beginning of happiness. This is where it starts. And of course there will always be more. It never occurred to me it wasn't the beginning. It was happiness. It was the moment. Right then.”

Clarissa Vaughn – As Horas


A felicidade...A tão sonhada felicidade plena é uma ilusão semelhante à que temos quando de longe vemos uma imagem e não percebemos que na verdade é um mosaico.
A felicidade é cada uma daquelas pequenas peças. Não a imagem completa.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Madrugada, Filosofia e Cumpleaños

Sou o único ser acordado da casa. Gosto disso. Gosto do silêncio da madrugada, dos poucos carros na avenida e das ruas vazias iluminadas pelas lâmpadas amarelas. Eu me pergunto se a música não atrapalha o sono alheio... Não que realmente importe... Sinto-me egoísta por isso, mas tenho uma boa justificativa... Hoje, de tantos dias, preciso dela mais do que nunca. Talvez a parte do corpo que mais goste em mim sejam os meus ouvidos, pelo simples fato de funcionarem... Acho que foi Nietzsche quem disse que a vida sem música seria um erro. Se não foi ele foi algum outro filósofo que, como um bom filósofo, se preocupou muito mais com os questionamentos e as teorias do em que viver a própria vida. (Todas as teorias são aplicáveis nas vidas em que não vivemos!)
Se a Vida, essa com V maiúsculo,seria um erro, não sei, mas a minha vida, essa toda escrita com letras minúsculas, seria.
Hoje ganho um número diferente. Hoje ganho um número um depois do dois.Posso dizer que vivi mais do que duas décadas. Quando eu era criança eu não me imaginava dizendo frases que começassem com “Há dez anos”, “ Há quinze anos”....Tanto tempo!
Há onze anos eu ia ser veterinária, jogava handball, fazia natação,não via a hora de ter vinte...
Há onze anos tive um texto escolhido para entrar num livro que fizeram no colégio com textos de alunos sobre o descobrimento do Brasil e o aniversário do próprio colégio.Tarde de autógrafos.

Acontece...
A vida não existe fora do tempo...

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

A hospedeira e a viajante

Não estava escondida naquela nota musical, nem nas pinceladas do quadro expressionista pendurado na parede da sala. Não estava na cena mais dramática do filme nem naquelas memórias que vinham enquanto a assistia.
Não estava naqueles diálogos, nem na falta deles. Não estava.
Não estava no silêncio, na casa vazia nem no poema do dia anterior.
Por mais incrível que possa parecer, estava na maneira como sorria. Era um bom lugar...Quantos a veriam ali? Poucos... Pouquíssimos... Talvez ninguém.
E foi com ela escondida entre seus dentes que entregou seu bilhete, subiu no trem e foi à procura de uma cabine vazia.
Existe lugar mais incomum para que se esconda uma tristeza do que um sorriso? Normalmente elas escolhem os olhos, mas esta em questão gostava de ficar assim... Camuflada, quase imperceptível frente à desatenção dos seres humanos e a mania de generalização (que era apenas um modo de tentar fazer o mundo caber neles).
Para olhos desatentos um sorriso é sempre sinal de alegria... E nesse caso isso funcionava. Era desagradável quando lhe faziam perguntas demais e a colocavam numa situação que a obrigava tentar explicar o que nem ela entendia.
Tinha esperança que durante a viagem fosse capaz de mastigá-la e cuspi-la para fora. Já tinha tentado isso outras vezes, e sempre acabava dando certo... Bom... Por algum tempo dava certo, até que ela encontrasse o caminho de volta e se alojasse entre o canino e o incisivo lateral superior.
Não era uma dessas viagens de fuga em que se deixa tudo pra trás num impulso e se esquece de deixar um bilhete em cima da mesa da cozinha... Era uma viagem que tinha volta. Durava cerca de uma hora e meia... Ou melhor, durava cerca de três horas e quinze minutos: uma hora e meia de ida, um intervalo de quinze minutos e uma hora e meia de volta. Talvez mais... Se contarmos os minutos de caminhada entre sua casa e a estação. Arredondemos para três horas e trinta e cinco minutos. No momento em que punha os pés para fora do portão a viagem começava.
Era um alívio andar por aquelas ruas de casas tão desiguais. Seria capaz de escrever um livro ( se tivesse habilidade para tal) só sobre aquela rua: a calçada, as árvores, os cachorros que latiam entre as grades dos portões. Quando criança era por ali que sempre passava montada em sua bicicleta vermelha com tatuagens de ferrugem.
Fazendo a janela de travesseiro ia olhando as árvores correrem e à medida que o trem se aproximava da cidade vizinha ela ia se afastando do presente.Aquelas viagens sempre lembravam a infância, e era disso que precisava...Esse era o seu truque para espantar a hospedeira. É verdade que a alimentava ainda mais por algum tempo, mas era só para poder mastigá-la bem...
E por que não a cuspia de uma vez? Porque quebrá-la em várias pedaços a mantia longe por mais tempo.

___________

P.S.

Talvez não faça nenhum sentido.
Talvez tenha uma parte II.
Talvez seja excluída.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

O sorriso eterno das caveiras

Quando chegamos ao mundo, choramos enquanto os outros sorriem... E quando morremos choram por nós ...enquanto sorrimos...
Despidos de vida sorrimos de certa forma... Só nos restam os ossos...As caveiras sempre sorriem...
Só na vida o sorriso é uma escolha.
E a desintegração da carne termina com um sorriso.
Escrevam em meu túmulo : “Em busca do sorriso eterno.”


Fim da linha...A viagem acabou aqui.

sábado, 10 de janeiro de 2009

Água e Sabão

É frágil, eu sei. Mais frágil que uma bolha de sabão recém-nascida. É isso...É uma bolha de sabão...Bonita com todas aquelas cores, flutuando...Até que encontre qualquer coisa e se desfaça...Até que volte a ser só água e sabão.
E Então? E então nos perguntaremos para onde foram as cores...

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Céu

Tenho o meu céu. A parte do céu que cabe nos limites da janela é minha e só minha. Só eu tenho essa visão.Essas estrelas que estão sempre no mesmo lugar são minhas ouvintes.Conheço-as e digo “oi” quando as cores do céu permitem que eu as veja. E nesse meu céu a Lua só aparece cheia. A única moeda que compra meu sorriso.

Mas foi num pedaço de céu que não me pertence que vi uma pipa branca.Vi a sua dança desengonçada, e pensei em liberdade. Em questão de segundos percebi como a analogia estava errada. Uma pipa não é livre, nunca. Ela não escolhe pra onde vai, vai para onde a linha a puxa, e a linha é puxada por mãos infantis. Ok, nem sempre...Mas de qualquer forma, por mãos.

Pássaros. Esses sim me transmitem a sensação de liberdade enquanto planam com as suas asas abertas. Não é à toa que asas estão sempre ligadas à idéia de liberdade.

Então me perguntei : Você é uma pipa ou um pássaro?

A resposta não demorou a vir. Sou uma pipa. Uma pipa que sonha em ser um pássaro.Talvez já criando asas...Porque às vezes saio da linha =)

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Foco no infinito

Eu achei que pra esperar bastava o dom da paciência, mas exige muito mais do que isso. Na espera é como se o resto do mundo se afastasse de nós (ou nós é que nos afastamos dele indo para o canto de nós mesmos?)... Estamos sozinhos enquanto esperamos, completamente sozinhos. Entre as pessoas que passam não há nenhum rosto conhecido, nada parece familiar e é como se todas as pessoas nos observassem, no breve momento que duram seus passos em nossos campos de visão. Não...Somos nós, com nossos olhos aflitos que olhamos para todo mundo, até que eles se cansem e se mantenham fixos em um ponto qualquer. Focando o infinito.
Nós? Ou Eu?

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

No teatro

-Eu me recuso a ficar aqui. Deve haver mais do que isso. Tem de haver e ser mais do que isso. Tenho a impressão de que as cortinas não foram completamente abertas para nós, não querem que vejamos tudo, acham que não somos capazes de suportar.

-Seríamos? Seriamos capazes de suportar uma visão mais abrangente?De saber muito mais do que o necessário?Carregaríamos conosco o segredo da existência, tão entranhado em nós que não nos damos conta. Re-aprenderíamos a sorrir, mas desta vez pelos motivos certos.

-Existem motivos errados para sorrir?Recuso-me a sorrir pelos motivos errados!

-Somos os únicos a sorrir voluntária e involuntariamente. Respondemos perguntas com um mostrar de dentes porque não estamos certos do que dizer.Mostramos os dentes em sinal de alegria e de vazio.Existem dois tipos de sorrisos: Os que nos dão tempo para pensar e os que nos fazem parar de pensar por algum tempo.

Ouve-se uma voz carregada de ansiedade:

-Ahh Calem a boca! Vai Começar!

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Água

Desde que amanheceu, sabia que naquele dia choveria. Olhava para céu e podia prever o asfalto brilhante, as gotas de água no vidro da janela e pessoas protegendo-se como se fossem feitas de papel. Quando veio a chuva não fez questão de proteger o chão, os móveis e os objetos em cima da mesa. De todos , aqueles eram os objetos que mais gostava porque não eram feitos apenas de matéria, mas também de história.

Seus olhos transformaram-se em nuvens. E choveram.

Ar

As pálpebras fecharam e esconderam-lhe o mundo dos olhos. Sentiu o vento brincando com seus cabelos. Naqueles instantes não pensou. Tudo era vento. Abriu os braços enquanto um sorriso ia tomando forma.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Carpe Diem?

Tenho deixado muitas coisas para fazer amanhã. Para pensar em fazer amanhã. O presente não tem sido aproveitado, tenho noção disso. Ás vezes me pego fazendo umas inutilidades, perdendo tempo, desperdiçando as chances. O hoje só tem me servido para programar o dia seguinte. Tudo bem se parasse por aí...Se eu me programasse e no dia seguinte fizesse o que me propus a fazer, mas o problema é que logo quando abro os olhos desisto de tudo. Deixo para o próximo dia...E assim vou empurrando...E acumulando...
E eu realmente não entendo quando dizem que devemos viver ao máximo...Como se fosse o nosso último dia de vida. As pessoas dizem coisas absurdas quando questionadas o que fariam se fosse este o último dia.
No último dia não existem comprometimentos. No último dia não existem responsabilidades. Arrependimentos?Não no último dia...E se for daqueles que aparecem logo depois de ter-se dito o que não devia não tem muita importância, já que não vai durar muito tempo...
De qualquer maneira, o tão sonhado “último dia”, dia em que pode tudo, parece ser muito mais um dia de ações do que um dia de palavras...Chamo de “tão sonhado” porque só nos sonhos mesmo saberemos exatamente o dia em que vamos parar de respirar...
Mas acho engraçado quando alguém diz, ou quando eu mesma digo algo do tipo “Não posso morrer sem fazer tal coisa”. Como se existisse um além, e lá nesse além as pessoas ficassem lamentando o que não fizeram em vida...Seria mais interessante dizer “Não posso viver sem fazer tal coisa”, pois é aqui, neste lugar chamado vida que lamentamos tudo o que não fizemos...

E eu sei que é inútil pensar e escrever tudo isso. Mas não tomo jeito...

sábado, 3 de janeiro de 2009

...E Benfeito Pra Nós...

Venho pela defesa dos que aprenderam a colocar os acentos nos seus devidos lugares. Pela defesa dos que tiraram uma tarde inteira para aprender o emprego do hífen e se esforçaram para não se esquecer de colocar trema na conseqüência e no pingüim.
Tremo ao ler “benfeito”.O editor de texto coloca sua tinta vermelha embaixo da palavra pra me dizer que escrevi errado. Eu ignoro... Coitado... Ainda não ficou sabendo do ocorrido...
De repente não sei mais escrever!Não que eu não cometesse erros, mas agora se tornou impossível escrever um texto sem ter muitas dúvidas. Aliás... Dúvida ainda tem acento?Aliás ainda tem acento?
Pêra eu sei que não tem mais...Heróico também não tem mais...
Foi um grande presente para as pessoas que têm (ah...eu gostava tanto dos acentos diferenciais...)dificuldades com acentos, e vamos ter que nos acostumar a não torcer o nariz ao ler “idea”,”assembleia” e “paraquedas”.
Daqui a vinte anos a nossa falta de atenção colocará, automaticamente, um risquinho desses ´ em cima do “e” e então, estará desvendada a nossa verdadeira idade! ( Não pretendo mentir a idade, mas foi algo que me ocorreu...)
Ah sim...Eu ouvi dizer que estão envolvidas também questões econômicas nesse tal acordo ortográfico...Quanta tinta de caneta economizaremos ao longo dos anos deixando de acentuar e hifenizar as palavras!
Haha...Just kidding...

Você também sente que não sabe mais escrever? Benfeito pra nós!

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Ano Novo!

- Novo mesmo? Ou disfarçado de novo?
-Pintaram com cores alegres o ano antigo!Enganaram a todos nós!
-Como sabe?
- Não vê as várias camadas de tinta por debaixo dessa? Ali no cantinho ó! Esqueceram de pintar aquele canto!
-Ah... Aquele canto... Tinta nenhuma pega ali!
-Por que fazem isso?
-Acham deprimente o desbotado... Em doze meses a tinta desbota, então é preciso pintar novamente...