sábado, 29 de novembro de 2008

Veiveá

No ponto alto do tédio , eis que Fulana vê um ser translúcido. A sua primeira reação é absolutamente involuntária. Os pêlos do corpo arrepiam-se, os olhos arrelagam-se e às mãos vão à boca, abafando assim o grito, que começou no dedo mindinho do pé esquerdo e acabou ficando preso no pescoço. Não podemos esquecer do coração...Esse enlouqueceu...Parecia querer saltar para fora, fugir da situação.
Depois de uns segundos de confusão, o cérebro pareceu querer mostrar serviço, e decidiu fazer com que Fulana falasse com o ser...Mas ele foi mais rápido:

- É aqui a vida?

Sem saber muito bem o que responder, ela disse:

-Bem...Acredito estar viva...
-Bom...Então estou no lugar certo...Sabe...As pessoas vivas normalmente acreditam estarem vivas, agoras as mortas...Não se conformam que a vida já passou por elas...
-E os mortos-vivos?
-Xiiii...Estes não sabem de nada...Não sabem nem que são alguma coisa...Mas em todo caso...É melhor ser um morto-vivo do que um vivo-morto, não acha?
-Acho as duas situações igualmente ruins...Mas me diga uma coisa : Como um morto igual a você conseguiu chegar até aqui?
-Eu também não sei...Recebi uma carta dizendo que estavam me chamando à vida...Acho que isso acontece quando alguém se lembra de nós...

Silêncio.De translúcido ele vai ficando transparente aos poucos, até que pouco antes de desaparecer diz:

- Pelo jeito pararam...Até mais ver...

E sumiu.

Agora Fulana tinha um novo pensamento na cabeça, tão óbvio que sentia certa vergonha...Estava viva!De repente parece ter tomado consciência de si...Estava viva!Um sorriso empurrou as bochechas para os lados do rosto enquanto pensava : "Estou viva".

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

42 e nonsense

Outro dia achei um site ,por acaso, onde as pessoas podiam postar perguntas que elas tinham , pra que alguém as respondesse. Tinha gente que perguntava coisas simples como " o que eu faço pra limpar manchas de vinho do sofá" e "o que é hipérbole", mas outras perguntavam questões metafísicas...achei divertido...Umas dessas perguntas era : " Qual é o sentido da vida?", a respostas que alguém deu foi "segunda à direita". Excelente resposta!É a mesma coisa daquele livro " O Guia do Mochileiro das Galáxias": querendo saber a resposta para " a vida , o universo e tudo mais", constrói-se um computador que seria capaz de solucionar tal mistério. Após computar e computar(sete milhões e meio de anos trabalhando!), chega a uma resposta, a resposta tão esperada. 42. Ele diz que a resposta para a vida , o universo e tudo mais é 42, e garante que a resposta está certa :

"Eu chequei a resposta repetidadmente, é 42″ disse o computador. “E esta é definitivamente a resposta. Acredito que o problema, para ser honesto, talvez seja que você nunca soube na realidade sobre o que se trata a pergunta.”

4+2 = 6, e 6 é o número de cordas de dois dos meus melhores amigos.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Pelas grades da janela

O céu se vestiu de cinza e decidiu que assim ficaria, até que a lua chegasse.Ela tinha prometido aparecer, mas não era certeza...Bom era quando ela aparecia sem avisar.

Cinza era a sua melhor roupa, ainda que se pensasse que ele gostava mais da azul.

Tinha dias em que se sujava , e ficava cinza –escuro. Nestes dias chorava . Chorava por todos embaixo dele que não podiam chorar...Tomava as dores de todos, e chorava tudo de uma só vez.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Café

Enquanto esperava pelo café ia olhando as pessoas ao seu redor. O local não estava cheio, também o horário não ajudava; àquela hora, três da tarde, a maioria das pessoas estava no trabalho. Trabalho. A palavra trouxe de volta todo o constrangimento da auto-demissão.E então começou a entender o que havia acabado de se passar. Estava em sua mesa , trabalhando num desses relatórios de fim de mês quando chegou seu chefe, com aquela cara de quem comeu e não gostou.Típica. Tão típica que já nem lhe incomodava mais.

-Ta pronto o relatório?
-Não, senhor. O senhor pediu que eu fizesse algumas alterações, então estou trabalhando nelas.
-Trabalhando nelas...Eu só te pedi pra mudar duas ou três coisinhas.
-Tenho certeza que foram mais do que duas ou três, senhor.
-Bom....Te pedi isso já faz meia hora....E meia hora é tempo suficiente!
-Tempo suficiente pra que? Pro senhor abrir os seus e-mails pessoais e voltar pra me encher a paciência? Dá pra ouvir a música daqui!Aposto o salário de merda que o senhor me paga como fica todo sentimental vendo fotos de lindas paisagens e mensagens com uma dessas lições de moral baratas. E enquanto o senhor lê piadas e vê vídeos, nós nos matamos de trabalhar pra ganhar uma miséria no fim do mês. Quer saber? Faça o senhor mesmo essa porcaria!

E assim tinha se demitido. Pegou suas coisas e foi para o Café do outro lado da avenida. Com a cabeça mais fria agora, tinha percebido como o “salário de merda” faria diferença. Mas agora já não importava, só o fato de não precisar ver a cara do chefe todos os dias já era um alívio.
O garçom depositou gentilmente a xícara de café em cima do balcão. O aroma pareceu acalmar suas idéias. Decidiu tirar o fim da tarde para si (não que tivesse muita opção). Esse foi o único plano que fez. Talvez fizesse mais alguns... Mas só quando não restasse nenhuma gota de café na xícara.

domingo, 23 de novembro de 2008

hein?

Aqui tudo é tão fácil...Pode-se escrever o que quiser, alterar as configurações, o layout, editar o que já foi dito...
Quem me dera alterar as minhas configurações e o meu layout!Ter a liberdade de sempre fazer o que eu quiser, a liberdade do existencialismo...
Não é possível viver cada dia como se fosse o último, porque ainda que não exista o amanhã, existe sempre a ameaça do amanhã...Uma certeza de que haverá amanhã...

sábado, 22 de novembro de 2008

Roda- gigante quebrada

Uma nota distorcida e constante. Um piano de uma só tecla. Uma nuvem que não passa e nem chove. Os tijolos perfeitos de uma parede.As mesmas notícias de ontem.A piada contada pela terceira vez.22:22.Os anos passando como se fossem semanas.A fala decorada.Planície.Gira-gira.Segurar um espelho em frente ao outro.Oi.Oi.Oi.O condicionamento dos passos. O mesmo caminho.ohnimac omsem O.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Cadê?

Não é possível que eu consiga perder tanta coisa! Desconfio que os objetos que perdi sejam enfeitiçados, eles vão diminuindo...diminuindo...diminuindo... até sumir... Ou quem sabe não são os duendes que os escondem só pra rirem da minha cara enquanto estão invisíveis. Eu posso ouvir, nesse exato momento o menor duende, aquele que é motivo de chacota pra todos os outros duendes grandões e valentões, dando risadinhas histéricas da minha cara...Maldito projetinho de ser elementar!
Olho em embaixo do tapete e ele ri, procuro nas gavetas e o riso aumenta. Como naquela brincadeira do " Ta quente, Ta frio" ele me dá dicas, mas quando estou perto de encontrar ele me faz pensar que não está ali, e quando estou longe, ele cria memórias na minha cabeça e acabo lembrando de ter guardado em algum lugar que eu não guardei, e então vem a esperança, tão verde quanto esse ser perverso! E eu estou perto, e a esperança ganha um tom ainda mais verde, " Vou achar!Vou achar! Eu me lembro de ter guardado aqui! Vou achar". E mais uma vez ele ri como se alguém não parasse de lhe fazer cócegas...

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Farol Vermelho

O cão da coleira amarela acompanhava a moça. Ela, com todas as suas bolsas, mal notava o animal. Ele parecia feliz, tinha encontrado companhia para atravessar a rua, cães são espertos... Sempre esperam alguém para não atravessarem sozinhos, perdidos entre carros e pernas.
O cão a olhava como se agradecesse a sua presença e ajuda naquela jornada listrada de alguns metros, mas como era indiferente a moça! Ele não se importava, continuava ao seu lado, agradecido.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Passagens secretas e casas na árvore

Sempre desconfiei que existissem passagens secretas na minha antiga casa. E existia uma. No banheiro do segundo andar existia uma passagem que levava a um pequeno sótão, onde só fui duas vezes ajudar meu pai a consertar a antena da TV. Mesmo sendo absolutamente escuro , era possível sentir a grossa camada de poeira sobre as tralhas. Sim as tralhas...Porque aquilo que não tinha serventia, porém por algum motivo não podia ser jogado fora, ia para o sótão.
Certa vez pedi à minha mãe para limpar aquele lugar, eu queria ir mais vezes lá em cima, perto do telhado, quem sabe até me “mudar” para lá.Já pensou um quarto lá em cima? Um quarto secreto? Uma casa na árvore dentro de casa! Porque casas na árvore também sempre me fascinaram. Nos filmes americanos que eu assistia na infância, lá estava a casa na árvore como um refúgio para os pequenos. Um refúgio do mundo dos aldultos. E eu sempre quis uma casa na árvore, ainda que não tivesse nem a árvore para construí-lá.
Não me mudei para o sótão. Hoje vejo o quão estranho isso seria, já que ele ficava exatamente em cima do banheiro.
Não sei como nunca me passou pela cabeça que algum monstro morasse lá. Hoje, provavelmente eu teria medo, não do monstro, mas de alguém tentar entrar na casa pelo telhado. Na rua em que morávamos, a nossa casa foi uma das poucas que não foi assaltada.Ainda bem!

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Enquanto eu esperava o tempo passar...

Silêncio. Nenhuma alma viva andando pelos corredores. Salas vazias, portas fechadas e luzes apagadas. Um perfeito cenário para um filme de terror de história fraca e umas poças de sangue pelo chão; ou, quem sabe, para um drama : a solidão de um funcionário invisível.
No escuro vazio da sala perto da escada acontece a festa de aniversário de alguém que já morreu há muito tempo. O som dos instrumentos quebrados enche o ambiente de uma música ,que ao mesmo tempo é alegre e triste, numa frequência que a vida não é capaz de ouvir. Os fantasmas riem da época em que eram vivos e queriam tudo quanto pudessem querer, riem de nós, das nossas tolices, de nossos desejos mais egoístas. Alguns dançam, sem se importarem com o resto do mundo : são invisíveis aos nossos olhos e deixaram na vida todo o constrangimento que lhes impedia de serem livres. Não se importam mais com o mundo porque dele já não fazem parte.
A um canto dois fantasmas conversam sobre o que mais gostavam em vida. "Abraçar alguém que não via há muito tempo", diz o primeiro, e o segundo sorri, quase como se fosse tomado pela lembrança. Diz que o que mais gostava era do cheiro dos lençóis recém- lavados.
No canto oposto as crianças brincam, divertem-se com suas próprias brincadeiras de fanstasma.
Quase na hora do parabéns ouvem-se passos, e a festa termina, porque o mundo de cá não se mistura com o mundo de lá.
Um rosto desconfiado olha pelo vidro da porta, dá de cara com o escuro. A pouca luz permite ver que aparentemente não há ninguém ali, "Nem poderia", pensa ao girar a maçaneta. A porta estava trancada.

domingo, 9 de novembro de 2008

Vago

O frio chega, então visto a parte de cima do pijama xadrez, de flanela. Tédio.Venho então para este quarto, sento-me nesta cadeira e procuro algum assunto sobre o qual escrever. Vejo várias possibilidades, mas nenhuma me chama atenção.Lembro-me da música que ouvi na sexta-feira a caminho da faculdade “ Domingo eu quero ver, o domingo passar/ Domingo eu quero ver, o domingo acabar”, e não sei se quero que acabe, porque depois dos domingos, geralmente, vem uma segunda-feira. E que dia odiado! Não por ser segunda-feira, poderia ser terça ou quarta, mas por ser o primeiro dia, o dia do recomeço, o dia em que somos obrigados a voltar para as nossas rotinas, não que o domingo fuja muito das rotinas de domingo.
Mas não, não vou escrever sobre o domingo. Nem sobre qualquer outro dia da semana.
Uso na mão direita o anel dado por uma hippie, que queria ir para o litoral. Dado não, vendido. E pelo preço que eu quisesse pagar. Tirei do bolso todas as moedas que tinha. Será que conseguiu chegar ao litoral? E se chegou, deve estar fazendo mais anéis pra ir pra outro lugar. Disse-me que tinha feito a estrela, pra que....não me lembro, algo ligado a destino , ou sei lá...E tinha feito um olho...Um olho pra conseguir ver o caminho certo...Talvez...
Eu já disse uma vez que “se nada der certo, viro hippie”, e será que viro mesmo? E como seria se desse certo? O que deveria dar certo? Não faço idéia... Mas se tudo der errado, provavelmente vou saber.
Penso no dia em que não nos lembraremos mais uns dos outros. E no dia em que desejarei voltar para agora. Penso que queria ter cinco anos. Quem me dera ter cinco anos...O triste é que se eu tivesse cinco anos, ia estar desejando ter vinte, para ser grande. Tenho pensado no futuro. Tenho medo.