sexta-feira, 16 de outubro de 2009

O Velho - Pt.3 : Sonho

Viveu como velho durante dias. Olhando dia após dia os próprios olhos opacos no espelho. Não havia o que fazer.
Era o que lhe restava. Esperar que passasse. Rezar para que o relógio voltasse a funcionar da maneira como deveria e devolvesse todos os anos que tinha vivido em uma única noite. Porém nunca fora de acreditar em magia e encantamentos; suas crenças também passavam longe dos milagres. Então o que concluiu foi que na verdade sofria de algum tipo de distúrbio mental. Era isso e estava decidido. O que lhe ocorreu não foi acordar velho, mas sonhar com a juventude e acordar com todas as rugas que já eram suas antes de dormir. Um sonho.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Fico.

Não vou pelas paredes plásticas, pelas mesas vazias e pelo computador que não funciona. Não vou pela janela da porta, pelo desequilíbrio entre as prateleiras, pelo chão mar impressionista e pelo barulho de passos e conversas no corredor.
Não vou pelo teto de isopor.Pelas cadeiras azuis, por todos os rabiscos que eu faria na folha vazia.
Pode ser...
Mas não vou mesmo é pelo silêncio e por todos os pensamentos que ele abriga. Eu poderia ouvir música, mas mesmo assim o silêncio estaria lá, na inércia de tudo ao redor.Estaria nas paredes, nas mesas, nas prateleiras, nas cadeiras no chão e no teto.
Nos rabisco não. Os rabiscos seriam um grito.
Mas é que hoje acordei rouca.


“...Diga ao povo que fico.”

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Eu gasto

-Oi, posso ajudar?
-Ah, eu só tava dando uma olhada nuns modelos de Eu´s.
-Se quiser provar, fica à vontade. Pode ficar com ele até uma semana, aí se num der certo a Sra. pode trocar...É só manter o traço de personalidade na peça.
-Esses aqui tem prazo de validade?
-Olha...Depende muito da pessoa...
-Hum...
-Aqueles ali, naquela prateleira, tão saindo bastante...E estão na promoção...
-Ah, não gosto...Obrigada...Eu vou dar mais uma olhada e qualquer coisa eu volto aqui...
-Não vai querer levar agora? Aproveita...
-Não, não, obrigada.

Thanks mother

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Funerale (the poet must die)

Passei o dia com os olhos de Virginia Woolf colados em cima dos meus, naquela hora em que decide que o poeta deve morrer para que a história não se perca. Não me entenda mal, não estou com pensamentos suicidas. A solução não é morrer, é deixar que isso morra. E se não me engano já morreu, e o que morreu deve ser cremado ou colocado embaixo da terra. Não vale a pena empenhar esforços para conservar um cadáver.
E como num velório sinto vontade de chorar ao ver que os olhos deitados não se abrirão, e que tudo o que não foi dito ficou perdido para sempre, naqueles lábios que o tempo lacrou.

“But I still have to face the hours, don't I? I mean, the hours after the party, and the hours after that...”